A ideologização ESG é pura estupidez
A crescente polarização em torno do conceito ESG revela uma preocupante distorção no conceito de responsabilidade corporativa. Essa divisão não apenas obscurece o propósito fundamental das práticas ESG, mas também cria um vácuo no debate qualificado, onde os extremos ideológicos comprometem a busca por soluções pragmáticas para desafios urgentes.
Direitos humanos e proteção ambiental são princípios universais que transcendem fronteiras políticas e ideológicas; contudo, a conjuntura atual demonstra uma crescente resistência por parte da direita às agendas ESG, enquanto parte da esquerda muitas vezes se apropria dessas questões, sequestrando-as, o que polariza ainda mais o debate.
A paralisia resultante desta polarização não é apenas prejudicial, mas perigosamente miópica. Questões, como as mudanças climáticas, a inclusão e a desigualdade social, não permitem o luxo do tempo. O atraso no reconhecimento desses assuntos pode levar a consequências irreversíveis.
Recentemente, gestoras de recursos e instituições financeiras, especialmente nos Estados Unidos, recuaram de compromissos climáticos anteriormente assumidos, muitas vezes por pressão ou medo de represália. Esse recuo é um testemunho lamentável da fragilidade dos compromissos que, ao invés de serem fundamentados em convicções essenciais, parecem ter sido adotados mais por conveniência ou interesses comerciais. Esse cenário destaca a prevalência dos interesses individuais sobre o coletivo, ressaltando a necessidade crítica de compromissos genuínos e duradouros.
A situação atual amplia a responsabilidade dos reguladores, que devem ser assertivos nas exigências de transparência, responsabilidade e precificação de externalidades. O dever fiduciário dos investidores deve incluir uma análise abrangente dos riscos, incluindo os de natureza ESG. A negligência na incorporação de práticas ESG nas estratégias de investimento representa uma quebra de dever fiduciário, apontando para uma falha fundamental na governança corporativa e na gestão de investimentos.
A sustentabilidade é uma responsabilidade compartilhada que requer uma abordagem despolitizada e pragmática. O desafio reside na capacidade de reconhecer e agir sobre a interdependência entre a prosperidade econômica, a equidade social e a viabilidade ambiental.
Dessa forma, sustentabilidade não é uma questão de conveniência ou de persuasão política, mas uma necessidade urgente e inquestionável. A ideologização ESG é, em sua essência, uma distorção do seu propósito fundamental
A bizarra situação em que nos encontramos é fruto de uma série de questões, sendo difícil apontar um único culpado. No entanto, não se pode deixar de mencionar que Milton Friedman provocou uma importante virada no pensamento econômico, subvertendo-o.
Friedman, ganhador do Prêmio Nobel, em um artigo para a revista Time, afirmou: "O único propósito de uma empresa é gerar lucro para seus acionistas." Talvez tenha sido a primeira vez que um economista tão proeminente não apenas desqualificou o sentido de propósito, mas também destacou os acionistas de maneira exclusiva, desconsiderando os stakeholders, o que pode ter servido como um embrião para a ideologização do ESG, uma vez que antagoniza aqueles que pensam em lucro com aqueles que consideram propósito e externalidades para os stakeholders.
O mesmo Friedman também disse: "A grande virtude de um sistema de livre mercado é que nele ninguém se importa com a cor das pessoas; não se importa com a religião delas; só importa se elas podem produzir algo que você deseja comprar." Esse pensamento destaca um compromisso total com o resultado econômico e uma falta de compromisso com o humanismo, reforçando uma agenda mais divisiva.
A politização do ESG é contraproducente, pois desincentiva as empresas a adotarem práticas ESG genuínas por medo de represálias ou controvérsias. Além disso, a polarização em torno do ESG dificulta a colaboração entre diferentes stakeholders, essencial para enfrentar desafios globais complexos como as mudanças climáticas e a desigualdade social.
A ideologização do ESG boicota a promoção de um diálogo construtivo e transforma a sustentabilidade em mais um ponto de discórdia na esfera pública.
Assim, encarar o ESG através de uma lente ideológica é subvertê-lo, e perder o seu valor intrínseco, quando deveria ser visto como uma questão de sobrevivência. As empresas, como motores de inovação e progresso, têm a responsabilidade e a oportunidade de liderar pelo exemplo, adotando práticas ESG que reflitam não só um compromisso com o lucro, mas também com o planeta e as pessoas.
O futuro exige uma nova forma de pensar, onde o sucesso não é medido apenas por resultados financeiros, mas pela contribuição a um mundo mais equitativo e sustentável.
A educação e a conscientização desempenham papéis cruciais neste processo, capacitando indivíduos e organizações a compreender a importância do ESG e a agir de acordo. A colaboração entre empresas, governos, ONGs e a sociedade civil é essencial para criar um ecossistema de sustentabilidade robusto.
No final, a verdadeira estupidez reside na recusa em reconhecer que sustentabilidade e responsabilidade social não são apenas moralmente corretas, mas também imperativas estratégicas para a sobrevivência e sucesso a longo prazo. A politização do ESG desvia a atenção das ações necessárias, criando falsas dicotomias que apenas retardam o progresso.
artigo originalmente publicado na Época Negócios em 07.03.24 - https://epocanegocios-globo-com.cdn.ampproject.org/c/s/epocanegocios.globo.com/google/amp/colunas/investir-para-transformar/coluna/2024/03/a-ideologizacao-esg-e-pura-estupidez.ghtml