Carta Aberta a Átila Iamarino: A Ciência Não Pode Ser Propaganda, Deve Ser Transformação
Caro Átila,
Sua atuação durante a pandemia foi um farol de esperança em meio a um cenário de desinformação e incerteza. Ao se posicionar firmemente em defesa da ciência e da verdade, você conquistou a admiração e a confiança de milhões de brasileiros. Por isso, é importante reconhecer a complexidade do momento atual e, também, discutir a recente campanha publicitária que você protagonizou para a Shell.
Há uma linha tênue entre se aproximar de uma indústria historicamente problemática para influenciar mudanças necessárias e se tornar um veículo para perpetuar seus equívocos. Ao participar de uma peça publicitária que promove os combustíveis fósseis sem um olhar crítico sobre seus impactos climáticos, você se afastou do papel que poderia desempenhar: o de cientista que ajuda a guiar a transição energética que o mundo tanto precisa.
A ciência não deve e não pode virar as costas para a indústria de combustíveis fósseis. Vivemos em um mundo dominado por um sistema capitalista onde essas empresas têm um peso enorme na economia global e nas cadeias de suprimento de energia. Não podemos ingenuamente esperar que elas fechem as portas em prol de uma utopia ambientalista, pois isso não reflete a realidade política e econômica em que vivemos. No entanto, o que podemos e devemos fazer é trazer a ciência para o centro dessa discussão, guiando essas indústrias para uma transição energética responsável e pragmática, que seja cientificamente embasada e economicamente viável.
A realidade é que precisamos de uma transição ordenada, e é aí que os cientistas como você entram. O papel da ciência não é só apontar o problema, mas também oferecer soluções. A indústria de combustíveis fósseis precisa ser pressionada a reduzir suas emissões de maneira significativa, adotando tecnologias mais limpas, investindo em energias renováveis e, ao mesmo tempo, reconhecendo os limites planetários de sua atuação. E isso só será possível se nos aproximarmos deles, oferecendo alternativas viáveis e praticáveis que façam sentido tanto ambiental quanto economicamente.
Neste sentido, você teve um acerto importante: aproximou-se de quem mais precisa de orientação científica. A Shell e outras gigantes do setor não vão mudar seus modelos de negócio da noite para o dia, mas precisam de cientistas que possam lhes mostrar o caminho correto. Contudo, o problema da campanha publicitária em que você participou é que ela omite o mal que os combustíveis fósseis ainda causam ao planeta. Ela perpetua uma imagem de "responsabilidade" que não reflete a realidade das emissões dessas empresas e seus impactos devastadores no clima global. Ao promover a Shell sem discutir a complexidade dos danos ambientais e sem um compromisso claro com a transformação, você reforçou a visão de que combustíveis fósseis podem ser uma solução de longo prazo, quando sabemos que não são.
Essa aproximação deveria ser uma oportunidade para você desafiar essas empresas a adotarem metas climáticas mais ambiciosas, a se comprometerem com a descarbonização real e a abandonarem práticas que estão na raiz do problema. A ciência tem um papel fundamental em ajudar essa indústria a encontrar soluções, mas isso precisa ser feito com transparência e responsabilidade. O erro não foi dialogar com a Shell, mas sim promover a empresa sem fazer as críticas necessárias. Um cientista que se compromete com o bem comum não pode se limitar a ser uma figura publicitária; ele deve ser um agente de transformação.
É exatamente esse o caminho que seguimos em minha empresa, fama re.capital . Temos trabalhado com setores notoriamente complexos, como o agronegócio e a pecuária, ajudando-os a implementar estratégias de descarbonização, ao mesmo tempo que criam valor econômico com isso. Ao combinar ciência, inovação e uma visão pragmática do mercado, conseguimos provar que é possível alinhar sustentabilidade e rentabilidade, mostrando que essas indústrias podem, sim, fazer parte da solução, desde que estejam dispostas a se transformar profundamente.
Ao invés de propagar mensagens que minimizam os danos dos combustíveis fósseis, é crucial que você use sua credibilidade para exigir que essas empresas adotem políticas concretas de transição energética. Apoiar cientificamente a transição não significa fechar os olhos para os problemas, mas sim liderar o caminho para soluções que beneficiem tanto a economia quanto o meio ambiente.
Espero que este episódio sirva como um alerta para que você use seu prestígio e conhecimento científico para promover mudanças reais dentro das indústrias mais responsáveis pela crise climática. O mundo precisa de cientistas que, como você, saibam como navegar essas águas complexas, mas sempre com a verdade como guia.
Atenciosamente,
Fabio Alperowitch